Clarice Lispector
(Ucrânia, 1925 - Brasil, 1977)
A lucidez perigosa
Estou sentindo uma clareza tão grande
(Ucrânia, 1925 - Brasil, 1977)
A lucidez perigosa
Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa actual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
Assim como um cálculo matemático perfeitodo qual,
no entanto, não se precise.
Estou por assim dizervendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
Pois sei que
- em termos de nossa diáriae
permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistirdos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
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